História Econômica e Formação dos Municípios e Herança Cultural no Paraná
Foto: José Fernando Ogura/Arquivo AEN
A história econômica do Paraná está diretamente ligada à formação de seus municípios e à ocupação de seu território. O estado, que hoje possui 399 cidades, passou por um intenso processo de transformação social, política e territorial ao longo do século XX. Esses processos foram impulsionados por ciclos econômicos, políticas de colonização e, mais recentemente, pela busca por maior autonomia administrativa e pelo acesso aos recursos públicos federais.
No início do século XX, o Paraná ainda era um estado essencialmente rural e com baixa densidade demográfica. Em 1919, existiam apenas 39 municípios constituídos, a maioria localizada nas regiões mais antigas de ocupação — o Litoral, os Campos Gerais e o Primeiro Planalto. Essa área ficou conhecida como o “Paraná Tradicional”, onde se desenvolveram as primeiras atividades econômicas ligadas à pecuária, à erva-mate e à madeira. Conforme estudos do IPARDES (Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social), a expansão do território ocorreu de forma gradual, à medida que novas frentes agrícolas e colonizadoras avançaram em direção ao Norte e ao Oeste.
A partir das décadas de 1940 e 1950, a realidade do estado mudou profundamente. Durante o governo de Getúlio Vargas, políticas nacionais de interiorização estimularam a ocupação do Oeste e do Norte do Paraná, áreas até então cobertas por extensas florestas. Grandes companhias colonizadoras — como a Companhia de Terras Norte do Paraná — incentivaram a chegada de milhares de migrantes vindos principalmente de São Paulo, Minas Gerais e do Nordeste. Esses colonos, atraídos pela fertilidade do solo roxo e pela expansão da cultura do café, foram fundamentais para a urbanização do estado. Segundo a Gazeta do Povo (2023), esse período marcou o início de um dos maiores processos de fundação de cidades da história paranaense.
Durante as décadas de 1950 e 1960, o Paraná consolidou seu processo de urbanização, ligando as diferentes regiões — o Norte agrícola, o Sudoeste colonizado e o Paraná Tradicional. Essa integração foi acompanhada pela criação de novos municípios, o que permitiu maior descentralização administrativa e a ampliação da infraestrutura local. Conforme a Folha de Londrina (2022), foi nesse período que se observou a maior explosão municipalista do estado, impulsionada tanto pela expansão populacional quanto pelas novas exigências de gestão pública.
Outro fator decisivo para a multiplicação dos municípios foi a criação, pela Constituição Federal, do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Esse fundo, formado a partir de 22,5% da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), tornou-se essencial para o financiamento das administrações locais. Desde então, o FPM tem servido como um importante instrumento de redistribuição de renda e fortalecimento dos pequenos municípios, especialmente no interior do país. No entanto, especialistas apontam que, em alguns casos, a busca pelo acesso a esses recursos também contribuiu para o surgimento de cidades com pouca viabilidade econômica e infraestrutura limitada.
Com a redemocratização do Brasil, a partir de 1985, o movimento municipalista ganhou novo fôlego. No Paraná, entre 1988 e 1997, foram criados 89 novos municípios, muitos deles no Sudoeste e no Centro-Oeste do estado. O auge dessa expansão ocorreu em 1993, com a criação de 48 cidades, e novamente em 1997, com mais 28. Dados do portal Livre.jor (2023) indicam que a motivação principal desses desmembramentos estava relacionada à busca por maior representatividade política e ao controle direto sobre a aplicação dos recursos do FPM. Essa descentralização, embora importante para a democracia local, também trouxe desafios de gestão, já que muitas prefeituras dependem quase integralmente das transferências federais para manter seus serviços públicos.
Do ponto de vista econômico, os municípios paranaenses enfrentam o desafio de equilibrar suas receitas e investir em áreas essenciais como saúde e educação. A Constituição Federal determina que ao menos 25% da receita proveniente de impostos e transferências sejam aplicados na manutenção e no desenvolvimento da educação, e outros 15% em saúde. Segundo o movimento Todos Pela Educação (2024), o cumprimento dessa meta ainda é desigual entre os municípios, especialmente nas cidades menores, que sofrem com limitações fiscais e carência de profissionais qualificados.
Atualmente, o Paraná apresenta uma estrutura econômica diversificada, resultado direto de sua história de ocupação. As regiões Norte e Oeste destacam-se pela agroindústria, com forte presença da soja, milho, frango e suínos. Já o Leste e o Centro-Sul concentram polos industriais, tecnológicos e de serviços. De acordo com o IPARDES (2024), o estado é hoje o quinto mais populoso e o quarto em PIB no país, mas ainda enfrenta disparidades regionais significativas — um reflexo da formação desigual de seus municípios ao longo do século XX.
Em síntese, compreender a história econômica do Paraná é compreender também o processo de construção de sua identidade política e territorial. O surgimento dos municípios paranaenses não foi apenas um ato administrativo, mas o resultado de múltiplas forças: econômicas, sociais e culturais. De um estado agrário e fragmentado, o Paraná se transformou em uma sociedade urbana e interligada, onde cada cidade, pequena ou grande, representa um capítulo da luta por autonomia, desenvolvimento e representatividade. Essa trajetória mostra como a economia, a política e o território se entrelaçam na construção de uma história regional que continua em constante transformação.
O Setor de Alimentação e as Heranças Culturais do Paraná
A alimentação, mais do que uma necessidade biológica, é uma poderosa expressão da identidade cultural de um povo. No Paraná, ela reflete séculos de intercâmbios entre indígenas, europeus e migrantes de várias origens que, ao longo do tempo, moldaram o perfil econômico e social do estado. O documento “O Setor de Alimentação do Paraná: Heranças Históricas” mostra como os hábitos alimentares estão profundamente enraizados na história e na cultura paranaense, transformando-se também em importante elemento da economia e do turismo regional.
Desde os tempos coloniais, a formação alimentar do Paraná está ligada aos ciclos econômicos e às migrações. No litoral, onde se fixaram os primeiros colonizadores açorianos, o barreado tornou-se símbolo da gastronomia local. De acordo com a Agência Estadual de Notícias (2024), o prato típico de Morretes e Antonina é hoje um dos principais atrativos do turismo gastronômico do litoral paranaense, gerando emprego e renda por meio de restaurantes e festivais. A técnica lenta de cozimento, herdada das tradições portuguesas, representa a paciência e o cuidado característicos da cozinha afetiva.
Já na capital, Curitiba, destaca-se a carne de onça, prato de carne bovina crua temperada, que remonta à boemia da década de 1960. Segundo a plataforma internacional TasteAtlas (2023), ela figura entre os melhores pratos de carne crua do mundo, com nota 3,9 em uma escala de 1 a 5. O prato vem sendo reconhecido como patrimônio cultural imaterial da cidade e é defendido por entidades como o SEBRAE e a Fundação Cultural de Curitiba, que apontam a importância de proteger receitas que representam a memória coletiva e a criatividade local.
Nas regiões de colonização eslava e germânica, como Palmeira e Prudentópolis, a culinária revela outro capítulo da história migratória do Paraná. O pão no bafo, tradição trazida por imigrantes russos-alemães no século XIX, foi reconhecido em 2015 como Patrimônio Imaterial de Palmeira, segundo o portal Viaje Paraná. Esse reconhecimento reflete o papel da comida como guardiã das memórias familiares e símbolo de resistência cultural. Da mesma forma, pratos como o pierogi e o chucrute são exemplos de como a herança europeia se adaptou às condições locais, preservando laços identitários.
Outro elemento essencial da gastronomia paranaense é o legado do tropeirismo. Ao percorrerem longas distâncias levando gado e mercadorias entre o Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais, os tropeiros introduziram receitas simples e nutritivas que se tornaram parte do cardápio popular. A quirera lapeana, o virado de feijão, o arroz tropeiro e a paçoca de pinhão ainda marcam presença em cidades como Lapa, Castro e Tibagi. Segundo a Gazeta do Povo (2022), esses pratos não apenas simbolizam a rusticidade e a resistência da vida no campo, mas também inspiram festivais gastronômicos que movimentam as economias locais.
Já nas regiões oeste e centro-oeste, a culinária se conecta à modernização agroindustrial e às festas populares. O porco no rolete, criado em Toledo nos anos 1970, é um exemplo de como um evento gastronômico pode transformar-se em patrimônio cultural e motor de desenvolvimento. Conforme a UOL Nossa (2022), a festa reúne anualmente mais de 25 mil visitantes e impulsiona o turismo e o comércio locais, tornando-se símbolo da sociabilidade e do espírito comunitário. O mesmo se aplica ao carneiro no buraco, de Campo Mourão, preparado sob o solo e considerado um dos pratos mais emblemáticos do interior paranaense, conforme o Wikipedia e registros do IPHAN.
Além de expressar tradições, o setor alimentício paranaense tem papel econômico relevante. De acordo com o SEBRAE Paraná (2024), o estado é referência nacional em produtos com indicação geográfica, um selo que reconhece alimentos e bebidas ligados à origem e ao saber tradicional. Entre os produtos já certificados ou em processo estão o vinho de Bituruna, o mel do Oeste, o café do Norte Pioneiro e a erva-mate de São Mateus do Sul. Essa valorização da produção local fortalece a economia regional, promove o turismo e estimula práticas sustentáveis.
A alimentação, portanto, é também uma forma de patrimônio vivo. Ela guarda a história das migrações, das trocas culturais e das transformações econômicas que moldaram o Paraná. Cada prato — do barreado ao carneiro no buraco — é um documento histórico que revela as relações entre trabalho, território e cultura. Mais do que nutrição, a comida é um modo de pertencer e de celebrar a identidade coletiva. Ao proteger e valorizar essas tradições, o Paraná reafirma seu compromisso com a diversidade cultural e com a preservação das memórias que alimentam, literalmente, a sua história.

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