OS MOVIMENTOS SOCIAIS E A REDEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL

Na década de 1980, o Brasil passou por um dos períodos mais marcantes de sua história recente, com o processo de reabertura política e a ascensão de diversos movimentos sociais que exerceram papel fundamental na transição da ditadura militar (1964-1985) para a democracia. A reabertura foi impulsionada por uma série de fatores, entre eles, o desgaste do regime, a crise econômica e a pressão popular por liberdades democráticas. Nesse contexto, os movimentos sociais emergiram como uma força decisiva para a transformação do cenário político.

Crise da Ditadura e Abertura Gradual

A ditadura militar, que havia se consolidado após o golpe de 1964, começou a mostrar sinais de desgaste ao longo dos anos 1970, principalmente devido à estagnação econômica e ao aumento da oposição ao regime. O milagre econômico, que havia marcado os primeiros anos da ditadura, se desfez com a crise do petróleo em 1973, gerando desemprego, inflação e desigualdade social. Ao mesmo tempo, a repressão política continuava severa, mas, na virada para os anos 1980, a censura e a violência estatal já não conseguiam mais sufocar o descontentamento popular.

O general Ernesto Geisel, presidente de 1974 a 1979, iniciou uma política de abertura lenta, gradual e segura. Geisel e seu sucessor, João Figueiredo (1979-1985), buscaram uma transição controlada, mantendo o poder nas mãos das elites militares, mas permitindo gradualmente a retomada das atividades políticas. Durante o governo Figueiredo, foi aprovada a Lei da Anistia (1979), que permitiu o retorno de exilados políticos e a libertação de presos, embora também tenha garantido imunidade aos militares que cometeram crimes durante o regime.

Movimentos Sociais e a Pressão por Democracia

Com a abertura política, a sociedade civil começou a se reorganizar e ganhar espaço. Diversos movimentos sociais surgiram ou se fortaleceram nesse período, desempenhando um papel central na luta pela redemocratização.

  1. Movimento Sindical: O movimento sindical, especialmente entre os trabalhadores industriais, foi uma das principais forças na luta contra a ditadura. Na década de 1980, as greves operárias se multiplicaram, sobretudo no ABC Paulista, região industrial de São Paulo. A figura de Luiz Inácio Lula da Silva, então líder sindical e presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, ganhou destaque durante esse período. As greves de metalúrgicos em 1978 e 1979 foram momentos chave de enfrentamento ao regime e à crise econômica.

  2. Movimento Estudantil: Também reestruturado após anos de repressão, o movimento estudantil voltou a se mobilizar no final da década de 1970 e durante os anos 1980, reivindicando liberdades democráticas e direitos sociais. A União Nacional dos Estudantes (UNE) desempenhou um papel fundamental na organização de protestos e passeatas pelo fim da ditadura.

  3. Movimento Feminista: As mulheres também encontraram espaço para se organizarem e demandarem direitos específicos. O movimento feminista no Brasil, na década de 1980, lutou pela igualdade de gênero, contra a violência doméstica e por maiores oportunidades no mercado de trabalho, desempenhando um papel crucial no questionamento das estruturas patriarcais da sociedade.

  4. Movimento Negro: O movimento negro cresceu em influência, reivindicando o reconhecimento da discriminação racial e lutando contra o racismo estrutural no Brasil. Grupos como o Movimento Negro Unificado (MNU), fundado em 1978, ganharam visibilidade e contribuíram para a inclusão de pautas raciais nas discussões políticas do país.

  5. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST): Fundado em 1984, o MST se tornou um dos movimentos sociais mais influentes no Brasil, lutando pela reforma agrária e pela redistribuição de terras. O movimento teve origem na insatisfação de pequenos agricultores e camponeses com a concentração fundiária e a ausência de políticas públicas para o campo.

  6. Diretas Já: Um dos momentos mais emblemáticos da década foi o movimento Diretas Já (1983-1984), que mobilizou milhões de brasileiros em grandes comícios por todo o país, exigindo eleições diretas para presidente. Apesar de a emenda Dante de Oliveira, que previa as eleições diretas, ter sido derrotada no Congresso em 1984, a pressão popular foi fundamental para que a transição democrática continuasse.

Fonte da imagens: https://oglobo.globo.com/politica 

Transição e Nova Constituição

Em 1985, após anos de pressão dos movimentos sociais, as eleições indiretas levaram à escolha de Tancredo Neves como presidente, marcando o fim da ditadura militar. Tancredo, porém, faleceu antes de tomar posse, e José Sarney, seu vice, assumiu a presidência. Sob o governo Sarney, o Brasil passou por um intenso debate constitucional, culminando na Constituição de 1988, que estabeleceu um estado democrático de direito, ampliou os direitos sociais e políticos e garantiu o direito de voto direto para presidente, governadores e prefeitos.

Legado dos Movimentos Sociais

Os movimentos sociais desempenharam um papel crucial na redemocratização do Brasil, canalizando as demandas populares por justiça social, direitos civis e políticos. Eles não apenas pressionaram pelo fim da ditadura, mas também moldaram a agenda política do país nas décadas seguintes, incluindo questões como igualdade de gênero, combate ao racismo, distribuição de terra e direitos trabalhistas. A reabertura política no Brasil foi, portanto, resultado não apenas de negociações entre elites políticas, mas também de uma mobilização social ampla, que teve impacto duradouro na sociedade brasileira.

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